Confira a opinião de Fábio Adiron sobre o assunto
Volta e
meia circula nas nossas caixas postais um e-mail contendo um poema atribuído a
um aluno da APAE, apresentado como “Príncipe Poeta”. Sem entrar no mérito sobre
o poema, esse texto tem uma questão muito séria que não podemos deixar passar
em branco que é a nota de rodapé que encerra a mensagem dizendo que é um rapaz
de 28 anos com idade mental de 15 (arghhh). Esse negócio de escrever sobre
idade mental é um preconceito claro de quem originalmente produziu o texto.
O
conceito de idade mental não faz sentido, ele é um rapaz de 28 anos com
comportamento de 28 anos
Até o
início do século XX não havia formas de se quantificar atributos da
inteligência, o que começou a se tornar possível quando Alfred Binet, um
psicólogo francês, desenvolveu a primeira escala de desenvolvimento infantil.
Milhares de crianças foram observadas sistematicamente, possibilitando a
identificação e a descrição das tarefas que podiam ser desempenhadas em cada
etapa do desenvolvimento cronológico infantil.
Desta
forma, a escala passou a constituir um referencial descritivo do que se podia
esperar de uma criança, com desenvolvimento normal, em cada etapa de seu
desenvolvimento. Passou, também, a possibilitar que se avaliasse, através da
observação sistemática, se uma criança apresentava um desenvolvimento
estaticamente normal, em termos cronológicos, ou se seudesempenho era mais adiantado
do que o esperado para a idade.
Em
continuidade ao seu trabalho, Binet, associando-se a Théodore Simon, construiu
o conceito de idade mental, informação derivada da contraposição das tarefas
desenvolvimentais que uma criança era capaz de cumprir, com sua idade
cronológica.Embora inicialmente utilizado para identificação de crianças com
menor desenvolvimento mental, aos poucos passou a servir também para
identificar as crianças que apresentavam uma idade mental mais alta que as
demaiscrianças da mesma idade.
Avançando
no estudo da inteligência infantil, Lewis M. Terman, educador e psicólogo
norte-americano, reviu o instrumento criado por Binet e publicou, juntamente
com a Universidade de Stanford, em 1916, a Escala de Inteligência
Stanford-Binet. Terman desenvolveu o conceitode QI (quociente de inteligência),
índice que se propunha sintetizar a quantificação da inteligência, através do
estabelecimento de uma relação entre a idade mental da criança e sua idade
cronológica (idade mental/idade cronológica x 100).
Como a
ciência não pára e se encontra em constante processo de construção e produção
de novos conhecimentos, novas idéias e reflexões foram sendo produzidas sobre a
questão da inteligência. Cientistas começaram a defender que as capacidades
intelectuais podiam e deviam ser medidas separadamente, e que um único “score”,
tal como o QI, não ajudava a identificar a capacidade de desempenho da pessoa,
em diferentes habilidades e capacidades envolvidas com o comportamento
inteligente. por exemplo, levou muitos pesquisadores a considerar a
inteligência como mais do que uma habilidade ampla e unitária.
Mais
recentemente, outras novas concepções surgiram na literatura sobre
inteligência. Sternberg propôs uma teoria triárquica sobre a inteligência
humana, que defende que o desempenho intelectual compreende três partes: a
inteligência analítica, apresentada por aqueles que mostram um bom desempenho
em testes de aptidão e de inteligência; a inteligência sintética,apresentada
por pensadores não convencionais, que são criativos, intuitivos e apresentam
alto nível de insight; e a inteligência prática, apresentada por aqueles que
lidam de forma extraordinariamente eficiente com os problemas da vida
cotidiana, bem como com os problemas do ambiente de trabalho.
Em 1991,
Ramos-Ford e Gardner propuseram uma nova forma de considerar a inteligência, ou
dotação, através de uma teoria que tem sido mencionada como a teoria da
inteligência múltipla. Os autores definiram inteligência como uma habilidade,
ou um conjunto de habilidades, que permite a um indivíduo resolver problemas ou
fenômenos que são característicos de um momento ou de um contexto cultural
específicos, ou que são deles conseqüentes.
Como se
pode perceber, a concepção de inteligência foi se ampliando no decorrer do
tempo, com implicações importantes para a prática educacional, e mais
especificamente, para a prática pedagógica do professor, em sala de aula,
especialmente no que se refere à identificação das necessidades educacionais
especiais do aluno e ao seu ensino.
Além
disso, reconhecesse que a mente se constitui muito mais do que de
inteligência....ou seja um adolescente de 14 anos, mesmo que não tenha
acumulado a mesma quantidade de conhecimento que seus pares, pode sentir, se
comportar e agir como... um adolescente !
Acontece
que, durante muito tempo, as pessoas com deficiência eram segregadas e, sem
contato social, não tinha o aprendizado das relações de ação e comportamente.
Eles eram considerados"ingênuos" e, claro, o eram, pois não conviviam
com outras crianças e não aprendiam a ser maliciosos (no bom sentido).O ser
humano é imprevisível nas suas possibilidades de desenvolvimento. Temos que
considerar também as condições orgânicas da pessoa.
Condições
orgânicas não se limitam a genética. São todas as características do ponto de
vista biológico, onde a genética aponta possibilidades. Mas, como já disse
Reuven Feuerstein, "os cromossomos não têm a última palavra". O ser
humano se constitui na interação dos aspectos biológicos e sociais. Então, não
dá pra falar em potencial, seja genético, orgânico, social, o que seja.
Podemos
pensar em condições mais ou menos favoráveis. Quando as condições são
desfavoráveis em um aspecto, temos que investir muitíssimo nos outros. A
preocupação deve ser sempre com o ponto de partida, com as oportunidades que
cada pessoa tem para se desenvolver. O ponto de chegada, poucas vezes é
previsível. O ser humano surpreende!" (Maria Sylvia Cardoso Carneiro).
Ainda que
a gente não possa excluir questões genéticas no desenvolvimento, tanto o Feuerstein
como Miguel Lopez Melero já provaram que a inteligência e o conhecimento são
coisas que se constroem, independentemente do fator genético. Não existe
determinismo social (que exclui qualquer fator inato dos seres humanos), mas
usar a terminologia "potencial genético", remete aodeterminismo
biológico, que sempre foi muito mais nocivo para a humanidade.
O grande
erro é acreditar que exista qualquer tipo de determinismo e que a vida humana
pode ser "determinada" exclusivamente por um único dos seus aspectos.
Cada aspecto é relevante (genético, cultural, social, econômico), mas nenhum
deles, sozinho, leva a uma solução para todas as questões.
Enquanto
acreditarmos que só a genética, ou só o social, ou só o econômico, definem a
pessoa, vamos continuar a criar mostruosidades conceituais, como continuar
falando em idade mental.
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